Descrição
Livro O Batizado Da Vaca, de Chico Anísio
Livraria José Olympio Editora,, 16ª edição 1976
Brochura 21 x 14 cm, 128 páginas
O batizado da vaca – conto de Chico Anysio
O lugar era tão bonito, o clima tão bom, as flores tão rosas e as vacas tão bovinas, que o chefe da família achou que valeria a pena comprar ali uma fazenda.
Consultou a família que, de pronto, foi contra. Isto colaborou demais para que o chefe da família entrasse, imediatamente, em conversações com o proprietário de uma, que se queria desfazer da fazenda, por achar que ela estava num lugar que não era lá essas coisas, o clima era idiota, as flores não fugiam daquela variedade: rosas, rosas, rosas, e as vacas, coitadas, eram simplesmente bovinas — numa total falta de imaginação. Vá-se querer que as vacas tenham isso!
O negócio foi fechado por um dinheiro grande, e a família tomou posse da propriedade dois dias depois, data que coincidia com a véspera do fim das férias.
A fazenda ficava num vale e era separada em duas partes por um córrego como o que só corre na infância dos escritores. Tinha matas e vacas, rosas e charcos, galinhas e caseiros.
— Uma idiotice, comprar essa fazenda — vaticinou a esposa, numa contrariedade de quem faz doze pontos.
— Comprar terra sempre é bom negócio vibrou o chefe da família, puxando o ar, a encher o peito com um cheiro de estrume que vinha do estábulo. — Olhe em volta. Até onde a vista alcança, tudo é nosso. Está vendo o abacateiro? É nosso; Aquele caqui-chocolate? É nosso. A carreira de jabuticabeiras? Nossa. O mato, a casa, a cocheira, o estábulo, o caminho, tudo é nosso. Esse céu, que cobre a fazenda, é o único pedaço de céu que é nosso, porque 0 da cidade é do governo. Aqui, mandamos nós, porque aqui tudo é nosso!
— Pra quê? — sintetizou a mulher, numa pergunta de esposa.
— Ora — explicou admiravelmente o chefe da família —, para ser nosso. Nossa terra, nosso chão, nosso cantinho, nossas rosas! — e pegou numa, furando o dedo.
Durante o curativo no dedo magoado um dos trabalhadores da fazenda aproximou-se com uma notícia muito importante: a fazenda acabava de crescer de valor pelo nascimento de uma bezerrinha.
Viu? — comentou, vitorioso, o chefe da família, batendo nas costas da esposa, de modo a fazê-la cuspir a primeira jabuticaba que tentava comer. – Nasceu uma vaquinha!
A notícia correu para os demais da família ao mesmo tempo em que, para os pais, corriam os filhos, estes, sim, felizes, ao saber do nascimento da novilha.
— É menino ou menina? — perguntou um menino que, de tão longos cabelos, nem se sabia se era menino ou menina.
– Não é assim que se fala, menino – esclareceu o pai. – A pergunta é: bezerra ou bezerro? É uma bezerrinha.
— Vamos ver? Vamos ver? gritavam os filhos a sugestão lógica das crianças que nunca viram vaca a não ser nos desenhos das latas de leite em pó. .
Foram. A vaca não deixou que se aproximassem da cria, que ficou sendo observada a distância pela família encantada e pelo caseiro indiferente e até um pouco irritado por haver uma vaca a mais no seu mundo.
— Quem é o pai? – perguntou a moça mais taluda.
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