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S.T. Dupont — O Fogo da Elegância: A História dos Modelos e a Lenda do Ligne 1

Por Caio Mitstor
Revista Soft Power, edição especial


A Arte do Fogo

Há objetos que ultrapassam a função. O isqueiro S.T. Dupont é um deles. Quando se abre sua tampa e ecoa o inconfundível cling metálico, é como se o tempo parasse — o som anuncia não apenas a chama, mas um século e meio de tradição artesanal francesa.

A maison S.T. Dupont, fundada em 1872 por Simon Tissot Dupont, nasceu como uma casa de marroquinaria de luxo, fornecendo malas e acessórios à elite europeia. Em 1952, porém, a marca escreveria um novo capítulo da história do luxo: o nascimento do primeiro isqueiro metálico de alta joalheria, o lendário Ligne 1.


O Nascimento de um Ícone: Ligne 1 (1952–1977)

O Ligne 1 foi criado a pedido do Maharajá de Patiala, cliente fiel da casa. Ele desejava um isqueiro tão precioso quanto suas joias. A Dupont respondeu com uma obra-prima de precisão mecânica e arte decorativa: um corpo inteiramente em latão maciço, montado à mão, depois banhado em metais nobres e polido com o mesmo rigor de uma peça de ourivesaria.

Ligne 1 com acabamento diamantado — padrão “diamond head”, corpo aberto exibindo o mecanismo interno.

Cada isqueiro exigia mais de 600 operações manuais até atingir a perfeição de encaixe, acabamento e som. O resultado foi o primeiro objeto a unir engenharia, joalheria e ritual.


Design e Mecânica: a Precisão do Som e da Chama

O Ligne 1 era robusto, equilibrado e possuía um sistema de acendimento lateral por pederneira. Inicialmente alimentado por fluido (petrol), produzia uma chama amarela regulável e estável.
Seu som, o famoso “cling” da tampa, tornou-se símbolo de autenticidade e refinamento — tanto que a Dupont o registrou como marca sonora.

O modelo foi fabricado em três tamanhos:

  • Grand Ligne 1: versão grande e imponente, muito apreciada por colecionadores.
  • Ligne 1 Medium: equilíbrio ideal entre elegância e ergonomia.
  • Petit Ligne 1: formato menor, voltado ao público feminino e fumantes ocasionais.

O Luxo nos Detalhes: Plaqué e Laque de Chine

Nenhum isqueiro representou tão bem o savoir-faire francês quanto o Ligne 1. Ele surgiu em dezenas de acabamentos, cada um combinando tradição e inovação artesanal.

Acabamentos em Metal (Plaqué)

A base em latão recebia banhos preciosos:

  • Or Plaqué 20 microns (ouro): brilho quente e clássico, símbolo da era dourada da marca.
  • Platine e Palladium Plaqué: tonalidades frias e discretas, muito resistentes à oxidação.
  • Argent Massif: versões em prata maciça, raras e com textura levemente acetinada.

Sobre esses metais, artesãos aplicavam guillochés minuciosos, criando texturas e reflexos característicos. Os padrões mais conhecidos incluem:

  • Godron Vertical: linhas verticais elegantes e profundas;
  • Carré: padrão xadrez, sofisticado e simétrico;
  • Cannelé: ranhuras largas e regulares;
  • Barley (grão de cevada): textura clássica inspirada na relojoaria britânica;
  • Lisse: acabamento polido, puro e espelhado.

Padronagens

O Ligne 1 foi produzido em uma ampla variedade de acabamentos metálicos, conhecidos como plaqué — versões em ouro amarelo, ouro rosa, prata e paládio, além de edições especiais em platina e ródio. As padronagens mais clássicas incluem:

  • Diamond Head (cabeça de diamante) — textura em pirâmides pequenas, extremamente refinada.
  • Godron — linhas verticais paralelas, elegante e discreto.
  • Grain de Riz — relevo em microesferas, lembrando grãos de arroz.
  • Guilloché — gravação geométrica feita por máquinas de precisão.
Ligne 1 em plaqué ouro com padrão guilhochê “diamond head” — superfície que reflete luz com sofisticação.

Cada combinação de metal e padronagem transformava o isqueiro em uma assinatura estética própria — nenhum Ligne 1 é exatamente igual a outro.


A Magia da Laque de Chine

A Dupont foi pioneira em aplicar laca natural oriental (Laque de Chine) sobre metal. O processo artesanal utilizava a seiva da árvore Toxicodendron vernicifluum, secada e polida em sucessivas camadas até atingir brilho e profundidade únicos.

Ligne 1 com Laque de Chine preto, contrastando com os filetes metálicos dourados.

As variações mais emblemáticas:

  • Noir de Chine: preto absoluto, o símbolo máximo de elegância discreta;
  • Bordeaux: vermelho intenso com reflexos âmbar;
  • Bleu Nuit: azul profundo e translúcido;
  • Vert Impérial: verde escuro com nuances jade;
  • Ambre: marrom âmbar levemente translúcido.

Esses modelos combinavam luxo e sensorialidade. A laca, ao toque, parecia viva — e o contraste entre o brilho orgânico e o metal polido fazia do Ligne 1 uma verdadeira joia funcional.


Do Fluido ao Gás: A Revolução Interna

O Ligne 1 passou por uma transição técnica crucial na virada da década de 1970.

Os Modelos a Fluido (Petrol)

Os primeiros exemplares, com sistema de pavio e algodão, eram abastecidos com fluido líquido, como um Zippo refinado.
Essas versões se identificam pela tampa interna metálica sem cor e um som de ignição mais grave. São hoje raríssimas e altamente colecionáveis.

Ligne 1 a Fluido – Plaqué ou Laque de Chine

Tipo de acabamentoPeríodo de produção aproximadoObservações
Plaqué (ouro, prata, paládio)1941 – 1957Os primeiros isqueiros metálicos Dupont eram totalmente feitos à mão. Os plaqués mais antigos não tinham número de série, apenas marcas do metal no fundo. A produção era limitada, sob encomenda de clientes privados, aristocratas e colecionadores.
Laque de Chine Noir ou colorida1952 – 1957A técnica da laca foi introduzida nos primeiros Ligne 1 em meados dos anos 1950, especialmente para clientes de luxo e colecionadores. Inicialmente limitada a cores clássicas: preto, vermelho e marrom. Estes modelos também eram a fluido, porque a Dupont só começou a introduzir os modelos a gás em 1957.

Detalhes importantes de identificação

  1. Mecanismo a fluido
    • Possui pavio e algodão dentro do tanque.
    • Tampa interna sem válvula de gás; muitas vezes a cor é metálica simples (sem pintura).
    • Som do “cling” metálico característico do Ligne 1.
  2. Plaqué
    • Banho fino de ouro, prata ou paládio sobre latão.
    • Padrões comuns: Godron, Diamond Head, Cannelé.
    • Corpo totalmente metálico ou com filetes discretos de metal polido.
  3. Laque de Chine
    • Primeira aplicação da laca natural Dupont no Ligne 1: meados de 1952–1957.
    • Pode ter variações:
      • Lisse: todo preto liso.
      • À filets d’or: faixas metálicas finas laterais.
      • À panneaux métalliques: laterais metálicas caneladas com faixa central de laca.
    • Feitos à mão, polidos e curados por semanas.

Resumo cronológico para colecionadores

  • 1941 – 1952: Primeiros Ligne 1 metálicos, plaqué, totalmente a fluido.
  • 1952 – 1957: Introdução de Laque de Chine Noir e cores clássicas, ainda a fluido.
  • 1957 em diante: Introdução do Ligne 1 a gás, fluido gradualmente desaparece.

💡 Dica de colecionador:
Se um Ligne 1 tem mecanismo de pavio, mesmo com Laque de Chine ou plaqué, ele é anterior a 1957. Após esse ano, todos os modelos comercializados eram a gás butano.

A Era do Gás Butano

A partir de 1968, surgiram os primeiros Ligne 1 a gás, com chama mais limpa e estável.
A Dupont introduziu um curioso sistema de identificação: a cor do interior da tampa indica o tipo de válvula e a época de fabricação:

  • Vermelho: primeiros modelos a gás, válvula de tipo antigo (1968–1974).
  • Azul: sistema modernizado de recarga (1974–1976).
  • Preto: última geração antes da chegada do Ligne 2 (1977), compatível com recargas modernas.

Essa codificação cromática, hoje estudada por colecionadores, é uma das chaves para datar e classificar cada exemplar.

Ligne 1 Small em plaqué ouro com ranhuras verticais — versão compacta e elegante.


O Herdeiro: Ligne 2 (1977–presente)

Em 1977, o Ligne 2 assumiu o posto de sucessor natural. Mais fino, mais preciso e com design levemente alongado, tornou-se o padrão de luxo contemporâneo.
O famoso “ping cristalino” de sua tampa é registrado como som oficial da marca.
Sua chama amarela dupla e acabamento em ouro, paládio ou laca o transformaram em um símbolo de status e precisão — ainda produzido artesanalmente em Faverges, França.


Décadas de Evolução: Do Gatsby ao Megajet

A maison Dupont continuou reinventando a chama sem perder o refinamento.

  • Gatsby (anos 1980): design urbano e geométrico.
  • Ligne D (1990): curvas suaves e transição para a coleção de escrita.
  • Défi Extreme (2000): chama “jet” azul, resistente a ventos e altitudes.
  • Maxijet e Minijet (2006): estilo moderno e ergonômico.
  • Slim 7 (2016): apenas 7 mm de espessura, o mais fino do mundo.
  • Megajet (2020): tripla chama azul para charutos e ambientes externos.

Cada modelo traduz seu tempo, mas todos mantêm o DNA original — precisão, som e elegância.


Edições Limitadas: O Luxo Numerado

A S.T. Dupont elevou o colecionismo a outro patamar com séries limitadas dedicadas à arte, à cultura e ao cinema.
Entre as mais célebres:

  • James Bond 007,
  • Andy Warhol Collection,
  • Da Vinci,
  • Monet,
  • Star Wars,
  • Tour Eiffel,
  • Cobra, entre outras.

Cada peça é numerada, montada manualmente e frequentemente incorpora laca natural, esmalte, ouro maciço e pedras preciosas. São, literalmente, joias que acendem.


Conclusão: A Chama da Eternidade

Mais do que acender cigarros, o isqueiro S.T. Dupont acende histórias.
O Ligne 1, com seu brilho de ouro, o perfume da laca e o som cristalino do metal, permanece o símbolo máximo da elegância francesa — uma síntese de design, tradição e alma.
Dele nasceram todos os outros, e nele vive o espírito da maison: a arte de transformar o fogo em luxo.

“Um Dupont não é um isqueiro. É uma assinatura.”

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